segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

As velas ardem



Est é um livro cuja acção é passada na Húngria do princípio do século e conta-nos a história de dois amigos, inseparáveis desde os tempos de infância, que partilham as descobertas da adolescência e, mais tarde, da vida adulta. Um acontecimento, mantido em suspenso quase até ao fim do livro, separou estes amigos durante quarenta e um anos. A história passa-se no dia do seu reencontro, que é também um dia de recordações, confissões e desabafos. Apesar da trama ocorrer num só dia, ela apresenta-se dividida em duas partes. Na primeira recorda-se a vida dos dois amigos, as suas origens – distintas - a forma como se aproximaram e o florescimento da amizade à medida que vão entrando na vida adulta. Também aqui a nossa curiosidade vai sendo despertada para o motivo do afastamento destes dois amigos. Esta parte do livro é muito interessante, com uma escrita muito sombria e poética. Na segunda parte, a do reencontro, o tom torna-se mais aborrecido, apesar da curiosidade em relação ao afastamento e de todas as revelações que vão sendo feitas à medida que o fim se aproxima. Este reencontro acaba por ser um monólogo, com uma escrita naturalmente mais discursiva mas também muito repetitiva.
Esate livro é, no entanto, um hino à amizade enquanto forma mais pura de entrega e à forma como ela pode sobreviver ao tempo e a traições. Na verdade, este dois amigos acabam por não ter muito em comum – um de origens humildes, “diferente” porque gosta de música e porque não suporta os rigores da vida militar, abandona a sua terra natal, o outro, descendente de boas familias, aprecia a ordem, os valores, não gosta de música e mantém a mesma rotina desde há muitos anos. O que mantém estes homens ligados ao fim de quarenta e um anos de afastamento, é esse sentimento superior, que existe apesar das traições, do silêncio e das diferenças...


As Velas Ardem até ao Fim, Sándor Marai, Publicações Dom Quixote, 2001, Ficção Universal, tradução directa do húngaro por Mária Magdolna Demeter.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Há mais maluquinhos




Há editoras que de vez em quando me surpreendem. Desta vez, uma colecção infanto-juvenil da Dinalivro que aparece com muito boa pinta (na verdade a data de edição é de 2004, mas confesso que me tinha passado ao lado...). E o tema central, imagine-se, são os livros! O Bebedor de Tinta conta a história de um menino, filho de um livreiro, que arranja um esconderijo na livraria do pai para poder observar os leitores e os seus hábitos (os maluquinhos, portanto...). Acontece que um desses leitores estranhos é o Draculivro, um vampiro, que devido a uma crise de fígado teve de deixar de beber sangue e passa a beber tinta directamente dos livros. O texto aparece com uma linguagem muito apelativa para os miúdos e as ilustrações não sendo brilhantes também não são péssimas, mas o que é realmente fascinante é a forma como nós, os maluquinhos dos livros, aparecemos descritos de forma tão brilhante e correcta num livro destinado a crianças com 7 anos...
«O papá é livreiro. Adora os livros. Devora-os. (...) Todas as noites, uma nova pilha de livros desembarca lá em casa. Há livros por toda a aprte, até nas casas de banho. É uma invasão. (...) Na maior parte do tempo, observo os leitores. Conheço-os a todos. Têm os seus hábitos. Alguns cheiram os livros como se estivessem a escolher um queijo. Outros escolhem-nos ao calhas. Adoram as surpresas. A livraria é uma lotaria! E depois, há os que não se conseguem decidir. Tiram um livro. Tornam a pô-lo no sítio. Tiram-no outra vez. Finalmente, acabam por mudar de ideias e tornam a arrumá-lo. Muitas vezes partem de mãos a abanar, envergonhados por não comprar nada (...)»

O Bebedor de Tinta, escrito por Éric Sanvoisin e ilustrado por Martin Matje, edição Dinalivro, 2004.